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Dom Frei Felício e a luta pelos direitos humanos durante a Ditadura Civil-Militar “Darei tudo e a mim mesmo imolar-me-ei pelo bem de vossas almas” s521g

Neste ano de 2024, completam-se 60 anos do “Golpe Militar”. A Ditadura Civil-Militar no Brasil (1964-1985) foi um tempo marcado por repressões aos movimentos sociais, banimento da liberdade político-partidária, censura nas áreas da educação, religião, artes e meios de comunicação, e, no que tange à dignidade e à sacralidade da vida de milhares de homens e mulheres, violação dos Direitos da Pessoa Humana.

O filósofo e humanista George Santayana (1863-1952) disse, certa vez: “Aqueles que não conseguem lembrar o ado estão condenados a repeti-lo”. Desse modo, com o desejo de revisitar esse ado ainda tão próximo de nós, na ótica da história e da fé cristã católica, o Museu Arquidiocesano Dom Arnaldo Ribeiro e o CEARP apresentam sua 5ª exposição: “Darei tudo e a mim mesmo imolar-me-ei pelo bem de vossas almas”: Dom Frei Felício e a luta pelos direitos humanos durante a Ditadura Civil-Militar.

Com essa exposição, também prestamos homenagem a este grande bispo franciscano nos 120 anos de seu nascimento (1904-2024) e, de igual forma, fazemos memória da religiosa Madre Maurina Borges da Silveira (1926-2011).

A Igreja Católica no Brasil não foi indiferente às perseguições e brutalidades do regime militar e, em Ribeirão Preto, Dom Frei Felício da Cunha Vasconcellos, OFM, foi arauto na luta e denúncia contra as arbitrariedades militares que vilipendiavam a vida e a dignidade humana. Com veemência, afirmava: “A Igreja, até hoje, jamais se omitiu na luta pelos Direitos da Pessoa Humana”.

A exposição apresenta um rico acervo fotográfico, documentos e periódicos raros, paramentos, imagens sacras e vários outros itens referentes ao período da Ditadura Civil-Militar.

Dados biográficos – César da Cunha Vasconcellos nasceu a 25 de maio de 1904, em Dores de Camaquã, município de Tapes/RS, filho de Joaquim da Cunha Vasconcellos e Edviges Lopes Vasconcellos. Ingressou, aos 20 anos de idade, no seminário de São Leopoldo/RS. Após sua formação em filosofia e teologia, foi ordenado sacerdote, em 1º de novembro de 1933, pela imposição das mãos de Dom João Becker, arcebispo de Porto Alegre/RS.

Exerceu seu ministério como padre diocesano em algumas paróquias da arquidiocese. Com o ar dos anos, aspirando a vida religiosa e desejando uma configuração mais profunda a Cristo na observância da humildade, pobreza e santidade, encontra, na Ordem Franciscana dos Frades Menores, seu lugar, e, em 31 de janeiro de 1941, foi itido no noviciado, na cidade de Rodeio/SC, desde então adota o nome de Frei Felício. Seus votos solenes aconteceram em 31 de janeiro de 1945. Na Ordem fundada por São Francisco de Assis, trabalhou, com notável esmero acadêmico e espiritual, como professor e formador. Nas palavras do cardeal Dom Paulo Evaristo Arns, arcebispo de São Paulo, Dom Felício foi:

Homem de contemplação – Seus alunos de Eloquência Sacra, Catequética e Teologia Pastoral, 30 anos atrás, chegaram a somar as horas que seu professor ava à frente do tabernáculo. Não eram menos do que 4 a 5 ou mais diárias. O jovem padre e religioso apresentava-se continuamente a Deus, recolhendo dentro de si o mundo todo que o solicitava. Completamente absorto, vivia escondido num cantinho do templo. De volta das grandes pregações, das aulas ou do aconselhamento a pessoas responsáveis, encontrava de imediato o caminho para a capela (1).

Em 30 de março de 1949, foi nomeado bispo da Diocese de Penedo/AL. Sua ordenação episcopal aconteceu em Florianópolis/SC, aos 29 de junho do mesmo ano. Foi bispo de Penedo até 03 de abril de 1957, quando o Papa Pio XII o nomeou arcebispo titular de Verissa e coadjutor, com direito à sucessão de Dom Joaquim Domingues de Oliveira, arcebispo de Florianópolis. Trabalhou nesta arquidiocese até ser nomeado, pelo Papa Paulo VI, arcebispo de Ribeirão Preto, em 25 de março de 1965, tomando posse, em 19 de junho do mesmo ano.
Anunciar o Evangelho com a vida: esse era seu anseio enquanto pastor; ser instrumento de paz, justiça, mansidão, humildade e bondade, essas foram as marcas indeléveis de seu pastoreio.

Em sua “Pastoral de Saudação”, de 06 de junho de 1965, assim se dirigiu a todos:

Esta a paz que nós não só ardentemente desejamos, mas fervorosamente suplicamos ao Senhor derrame sobre todos em profusão e, ainda mais, esta a paz que, em nome do Senhor, solenemente prometemos a todos sob uma única condição: que haja da parte de todos boa vontade. E por informação de longa data, nós já conhecemos vossa boa vontade, a boa vontade de todos vós, meus já tão queridos no Senhor, habitantes da Arquidiocese de Ribeirão Preto (2).

Como arcebispo de Ribeirão Preto, participou da quarta sessão do Concílio Vaticano II, em 1965, e buscou de forma tenaz iniciar a implantação das resoluções do Concílio. Durante seu pastoreio, foram criadas as seguintes instâncias de organização e articulação na vida pastoral da Arquidiocese de Ribeirão Preto: o Serviço Arquidiocesano de Pastoral Litúrgica, Comissão de Pastoral, Secretariado Arquidiocesano de Pastoral e o Conselho Presbiteral Arquidiocesano.

Criou dezesseis paróquias na arquidiocese. Deve-se a ele, e também a Dom Bernardo José Bueno Miele, arcebispo coadjutor, a criação da Diocese de Franca/SP, erigida pelo Papa Paulo VI, aos 11 de março de 1971.

Ditadura Civil-Militar – No período da Ditadura, acompanhou com extrema preocupação e cautela o cenário nebuloso que pairava sobre Ribeirão Preto e as cidades da região. Em 25 de outubro de 1969, com a prisão da Madre Maurina Borges da Silveira, diretora do Lar Sant’Ana, na cidade de Ribeirão Preto, Dom Frei Felício tentou repetidas vezes entrar em contato com ela na cadeia feminina da cidade de Cravinhos/SP, todavia foi completamente ignorado. Sendo assim, em 12 de novembro de 1969, convoca todo o clero para uma reunião no palácio episcopal para ponderar sobre a situação, não só da prisão da madre, mas também sobre a perseguição a clérigos e leigos da arquidiocese. Desta reunião foi publicada uma nota no jornal “Diário de Notícias”, na qual manifestava total repudio às arbitrariedades, perseguições e torturas que aconteciam na região. Na mesma ocasião torna publica a excomunhão de dois delegados.

Declaramos que os membros do clero (arcebispos e sacerdotes) e as organizações católicas da arquidiocese não têm nenhum compromisso com posições extremistas e subversivas de direita ou de esquerda. Estamos comprometidos com os direitos fundamentais da pessoa humana, com a Evangelização, com a Catequese, com a Liturgia, com a Educação e a formação das consciências, com a promoção humana em todo o sentido cristão com os princípios e métodos do movimento ecumênico, com a construção da verdadeira paz e prosperidade do povo de Deus que vive em nossa Região. […] REPUDIAMOS as insinuações maldosas, as calúnias, as ironias, com que foram tratados vários sacerdotes de nosso clero e, solidarizando-nos com os verdadeiros cristãos e suas comunidades, os confortamos pela lesão da fama de que foram objeto, junto a seus rebanhos, por atitudes arbitrárias e precipitadas de certas Autoridades. Sobretudo, o que nos preocupa, nos acontecimentos todos, é o desrespeito à Pessoa Humana (3).

O controle sobre as notícias e informações era vital para a Ditadura Civil-Militar; a censura foi a ferramenta implacável imputada sobre os meios de comunicação. A Arquidiocese de Ribeirão Preto, na época, possuía um periódico importante, o jornal “Diário de Notícias”, que era vigiado constantemente e chegou a ser fechado algumas vezes por não se alinhar ao regime.

Em sermão gratulatório, Dom Benedito de Ulhôa Vieira, arcebispo de Uberaba/MG, assim fez memória de Dom Frei Felício e seu posicionamento diante dos abusos da Ditadura:

Em 1969, a brandura do franciscano tornou-se a voz desassombrada do profeta. Tempos negros do AI-5, das arbitrariedades policiais, das torturas, dos sequestros e das mortes nos quartéis do país. O medo, o silêncio, a conivência, a covardia reinavam. Dom Felício se ergueu. A voz enrouquecida do doente soou forte como trombeta. Protestou. Excomungou. Defendeu. O genuflexório do homem de oração nunca é espelunca de esconderijo da fraqueza, mas púlpito da proclamação da vida e da bondade (4).

Dom Frei Felício, em duas ocasiões, defendeu os estudantes universitários em manifestações públicas realizadas em Ribeirão Preto. Em uma delas, na frente da catedral de São Sebastião, quando os militares chegaram em viaturas e cavalaria, e com violência tentaram prender os manifestantes, Dom Frei Felício, embora estivesse gravemente doente, não titubeou em discursar e proteger todos os que ali se encontravam. Mandou que os manifestantes entrassem na catedral, não permitiu que os militares o fizessem, com as próprias mãos impediu os que estavam a cavalo, sendo quase pisoteado por eles; em outro momento, albergou os manifestantes no palácio episcopal, pois novamente a polícia agira com violência.

Em 11 de julho de 1972, no palácio episcopal, em Ribeirão Preto, Dom Frei Felício fez sua páscoa. O Senhor veio buscá-lo para habitar junto a Si. Morreu com fama de santidade, fato atestado por todos os que tiveram a graça de conviver e participar de sua vida, em Ribeirão Preto ou por onde ou.

Seu amor a Jesus Cristo e aos irmãos laureiam seu legado como pastor e encontra significado cabal em seu lema episcopal: “Impendam et superimpendar pro animabus vestris” – “Darei tudo e a mim mesmo imolar-me-ei pelo bem de vossas almas”. Pois, prova de amor maior não existe que oferecer a vida em oblação por aqueles a quem se ama (cf. Jo 15,13).

Padre Neuber Johnny Teixeira
Curador do Museu Arquidiocesano

 

Referências Bibliográficas

(1) DIÁRIO DE NOTÍCIAS, Ano XLV, 14 de julho de 1972 – Nº 15.102, (p. 01).

(2) VASCONCELLOS, Dom Frei Felício César da Cunha. Pastoral de Saudação. Ed. Vozes: Petrópolis, 1965, (p.06). In arquivo do Museu Arquidiocesano Dom Arnaldo Ribeiro.

(3) Posição do Clero Arquidiocesano de Ribeirão Preto. In SEDOC, vol. III (69-70) cols. 789-792.

(4) CORREIA, Francisco de Assis. História da Arquidiocese de Ribeirão Preto (1908-2008). Grafcolor: Brodowski, 2008, (p.319-320).

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